OBSERVA-ME A CIDADE

(Primeira)
 
...
Saí para dar uma volta pela cidade onde vivo, no meu passo lento, descontraído como se não tivesse pressa de chegar, não tenho.

Deambulo pela cidade com o olhar vago, algures, comtemplo a azáfama citadina, reparo no engraxador – como rareiam os engraxadores – Não falo desses, dos lambe botas sempre disposto arruinar a vida dos outros para conseguirem algo mais que a miséria de vida a que se devotaram, mas sim, daqueles que engraxam os sapatos aos “senhores”. O quiosque, também lá está, na outra esquina, das poucas esquinas livres que encontramos disponíveis. A maior parte delas está ocupada com os velhos, os desempregados, os calões, os reformados, os que vivem dos rendimentos mínimos ou assim-assim.

Falo com o engraxador, falamos sobre o fado, ele gosta de fado, eu também, ele canta o fado, eu não, eu vivo o fado. Conversamos uns minutos, não sei quantos mas o suficiente para nos cumprimentarmos e despedirmos... Até à próxima. Ele atende um cliente e eu sigo o meu trajecto pela calçada.

O trânsito é infernal, não há paciência, todos vivem apressados em chegar não sei aonde. Olho para a praça, o mercado, o da fruta, legumes -- flores, doces, cavacas das Caldas, beijinhos, pão e chapéus -- o edifício antigo onde existiu em tempos o banco de Portugal. Do outro lado uma loja de roupa que vende tudo a dez euros, onde outrora foi uma pastelaria, a Zaira, frequentada pela elite da cidade, a mesma que mais tarde ficaria na penúria por causa dos descendentes, habituados a não fazer nenhum e a viverem unicamente dos louros dos pais. Ainda existem alguns pela cidade.

Mais acima o Café Bocage. Do outro lado o Café Central. Nunca fui frequentador destes sítios mas conheço-os como as palmas das minhas mãos. Lembro da história e recordo a vida que a cidade já teve e, que agora não tem mais. Sinto nostalgia no vaguear pelas ruas, nuas, desertas, pouca luz, nocturna, taciturna, sem polícia, sinto medo. Casas degradadas, estabelecimentos encerrados, ruas esburacadas, sargetas entupidas, montes de lixo.

Cidade histórica, que se perde na história de Bordalo, Malhoa ou D. Leonor.

(continua)

E.G.




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