AO CHEGAR A DESPEDIDA

Todas as histórias têm um propósito, principalmente quando são contadas num banco de jardim, em tardes amenas, na companhia de tão perfumadas flores. No final sempre nos rimos, chorámos ou ficámos em silêncio. Entre os vários sentimentos aflorados, destaco a forma estranha em que duas almas se desnudam, permitindo assim que possamos entrar num mundo imaginário (ou não) de cada um de nós.

Aprendemos sempre mais de cada vez que nos contam uma história. Eu aprendi. Que ao permitir que entrasses na minha vida poderia ser um momento de alegria e felicidade, mas se um dia decidisses partir, seria uma dor inevitável. No entanto, no desenrolar destes assíduos encontros com as múltiplas histórias fui-me afeiçoando cada vez mais à tua presença, à tua pessoa, a aceitar-te mais intimamente no meu círculo restrito de amizades que coloriam os meus dias.

Confesso que num dado momento mantive alguma distância, como que a marcar o meu território, a tentar preservar o meu espaço - não podia permitir que de imediato entrasses pela minha vida dentro - daí as minhas reservas em tais encontros. Ainda que esses encontros fossem amistosos e cordiais, jamais iria abrir-te o meu coração ou partilhar situações ou festejar efusivamente qualquer situação por ti relatada. Tudo seria natural, comedido, porque inicialmente, aprendemos a ter reservas, precauções, desconfianças:

- Não se pode nem se deve ser como um livro aberto para quem quiser ler, precisamos ser decifrados lenta e diariamente.

A troca de olhares eram de uma intrigante curiosidade e as histórias inconfessáveis tornaram-se parte da minha subsistência, deixando-me a vida num suspense sempre que não houvesse histórias para contar. Por isso nos divertíamos tanto, rindo até das próprias dores, dos insucessos, das fragilidades, desventuras ou realidades fundidas. É engraçado: a quantidade de pessoas que pelo jardim circulam alheias à nossa presença! Pouco importava. Satisfazia-me o odor a terra húmida, a beleza das flores, o pólen que emanava delas, o perfume... O perfume que se confundia com o teu... Extasiava-me. A nossa cumplicidade aumentou. As tardes tornaram-se mais longas, as conversas mais íntimas e, de cada vez que nos tínhamos que despedir até parecia que nos arrancavam um pedaço de algo existente em nós. Foi assim durante muitos dias até lhes perder a conta.

Nunca nos importávamos com o “status” social de cada um de nós, desfrutávamos apenas da companhia um do outro, num ambiente natural e propício, onde divagávamos no infinito através das histórias por nós contadas. Como também da irrelevância originária de nós mesmos. Tudo isso era secundário e estava fora das nossas cogitações, ainda que, mais tarde, viesse a saber algo mais e a compreender o porquê desses momentos inebriantes e que cada um de nós teimava em perpetuar numa ansiedade aparente de cada vez que um de nós tardava em chegar. Uma história de amizade, de companheirismo, de amor... Se quiser... Tirada dos clássicos do cinema como há muito não se vê! Sempre nos encontrávamos sem segundas intenções nestes encontros agradáveis.

As perguntas começaram a fluir entre nós e as respostas terminavam por ser enigmas que aprendíamos a decifrar. A um ritmo lento foram surgindo mais perguntas. Inevitavelmente as respostas teriam de ser mais precisas, esclarecedoras, satisfatórias para cada um de nós. É o mesmo que dizer:

- O reverso da medalha nem sempre nos agrada... A história repete-se... Podia ser uma história diferente... Talvez fosse.

Quase todas as tardes me sentava naquele banco ou nas imediações dele naquele jardim com o meu bloco de notas onde registava os apontamentos das coisas mais relevantes que por ali aconteciam,transformando-as depois em textos, poesias ou frases que publico sempre que me aprouver. Alterei de forma progressiva os meus costumes e comecei por dar curtos passeios com a dita companhia, tornando-os cada vez mais longos com conversas mais íntimas numa quase total e Absoluta confiança que nem um nem outro estariam dispostos a quebrar, tal era o encantamento que toda aquela situação que emergia cada vez mais, de uma forma transparente, única e rara. Casada, mãe de dois filhos, um bom marido que teve durantes e longos anos acabando por falecer, deixando-lhe um vazio imenso e uma saudade incomutável, segundo ela me contou, uma vida plena de carinho, respeito e amor... Foi então que percebi que a nossa aventura por aquele jardim, as conversas animadas, os risos, os olhares... Enfim! Todo aquele que foi um mundo mágico por nós idealizado, vivido e contado estava prestes a chegar ao fim. Ela iria voltar para os seus filhos, para a sua casinha e as suas recordações, para a sua vida que teimava em não abdicar porque lhe guardavam as melhores memórias, memórias de uma vida e, essas não se poderão esquecer nunca, porque deram frutos e esses frutos (Os filhos) fazem parte dessa história de amor.

Acabei por voltar ao jardim, às minhas histórias, (alheio aos olhares dos transeuntes anónimos que por ali circulavam) embrenhado na história vivida, na saudade de quem partiu como um pôr-do-sol, nas tardes que iriam ser diferentes apesar de parecerem iguais. Ali permaneci durante alguns dias, bastantes, na esperança que ela voltasse com histórias novas a dar um novo colorido à minha vida. Não voltou. Possivelmente cansou-se! Ou não teria mais histórias para contar... Um sem número de interrogações se instalaram dento de mim, fiquei aborrecido, melancólico, triste e chorei. Saí dali em passo apressado, não permitindo ser devassado por tais sentimentos. Afinal, não teria motivos para me sentir assim, mas sim para estar feliz. Meti-me no carro e fui para casa. Sentei-me à secretária e comecei a escrever... Voltei a sorrir de satisfação por ter ficado aborrecido, por ter ficado melancólico, por ter ficado triste e por ter chorado... Vivi!

-Vivi e aprendi que o que magoa não é a dor mas a forma como lidas com ela.

E.G.

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